Daily Archives: 18/04/2011

A guerra da bandeira… parte 2

dos significados dos símbolos nacionais… o escudo

«de prata, com cinco escudetes de azul, postos em cruz, cada um carregado por cinco besantes de prata, postos em aspa; bordadura de vermelho carregada de sete castelos de ouro;

As 5 quinas…

Os cinco besantes de prata em cada escudete azul (ou seja, em cada quina) fazem referência a uma lenda relacionada com D. Afonso Henriques. A história diz que antes da Batalha de Ourique em 1139, o rei rezava pela protecção dos portugueses quando teve uma visão de Jesus na Cruz. Teria aparecido ao rei prometendo-lhe a vitória, se adoptasse por armas as suas chagas. Ganhou a batalha e, em sinal de gratidão, incorporou o estigma na bandeira de seu pai, que era uma cruz azul em campo branco.

Outra explicação aponta ainda para o uso da bandeira em escudos; a cruz azul teria pintados (ou incorporados) pregos brancos para a segurar ou pinturas brancas, podendo já aludir às chagas de Cristo. Esta decoração nos escudos sofreria danos com as batalhas e com o tempo, deixando apenas o azul envolto com os pregos ou pinturas de branco, dando a ilusão dos actuais escudos azuis com as (actualmente) 5 quinas em cada um. 

Há ainda a referência que, segundo a lenda, o número das quinas (5) e dos besantes (25) estão relacionados com os 30 dinheiros que Judas terá recebido pela traição a Jesus Cristo. E aqui tenho que acrescentar que há duas versões. Uma conta 25 besantes mais 5 quinas para os 30 dinheiros. Outra, considera que a os besantes da quina central se contam duas vezes, atingindo assim 30.

No entanto, na primeira inclusão das quinas na bandeira (no tempo de D. Afonso Henriques) havia muitos mais besantes. Ou seja, ainda que as quinas possam representar as chagas de Cristo, a ideia de que os besantes simbolizam os 30 dinheiros é uma manipulação do número de besantes. Trata-se ou de uma tentativa de justificar a mudança para 25 besantes em cinco escudetes, ou de uma mera uma fantasia que procura dar simbolismo a algo que não o tem, de facto. De qualquer forma, associar a maquia recebida por um traidor a Cristo ao brasão de um país cristão, é rebuscado.

Uma outra versão que me parece mais acertada é a de que se tratava de uma demonstração ostensiva de soberania de Portugal face a Leão pelo direito que assistia ao soberano de cunhar moeda própria – de que os besantes mais não são que a constatação heráldica desse facto.

Os 7 castelos na bordadura vermelha…

Tradicionalmente, os sete castelos representam as vitórias dos portugueses sobre os seus inimigos e simbolizam também o Reino dos Algarves, que existiu paralelamente a Portugal até 1910. No entanto, a verdade é que os castelos foram introduzidos nas armas de Portugal pela subida ao trono do rei D. Afonso III. Sucedeu ao seu irmão D. Sancho II. Antes de subir ao trono não podia usar as armas do irmão sem introduzir-lhes uma diferença por não ser filho primogénito. Adoptou assim as armas de sua mãe que era castelhana, sendo que a bandeira de Castela, à data, era composta por um fundo vermelho e três filas e três colunas de castelos dourados. Com a subida ao trono e já na qualidade de rei, poderia ter abandonado as suas armas pessoais e usado as do pai e do irmão, mas optou por não o fazer.

Hoje são 7 castelos, mas já foram muitos mais. O facto de serem 7 castelos não é significativo. Se se tratasse de castelos mouros conquistados no Algarve, só poderiam ir diminuindo se os fossemos perdendo novamente. Não foi o caso, mesmo passados todos estes séculos. E mesmo que se tratasse das cidades fortificadas conquistadas por Afonso Henriques, segundo outra versão, também não se justificaria terem diminuído (já foram 16…). Neste caso trata-se de justificar a ostentação de um símbolo de origem castelhana na bandeira. Em tempos fez todo o sentido, pela guerra constante, ocultá-lo e negá-lo. Hoje, não faz sentido.

A esfera armilar de ouro…

A esfera armilar de ouro era o símbolo pessoal de D. Manuel I.  Historicamente, a associação da esfera armilar a D. Manuel deu-se aquando da sua investidura no Ducado de Beja por D. João II, em1484, logo após o assassínio do seu irmão D. Diogo, Duque de Viseu, tendo D. João concedido a D. Manuel, por empresa a esfera armilar, e por mote a misteriosa palavra Spera (que, pela confusão entre o p e o dígrafo ph, com valor de f, acabou sendo lida como Sfera, criando um jogo de palavras entre a esfera, como representação do mundo, e a espera de D. Manuel para alcançar um trono ao qual nunca havia pensado chegar).

A esfera é, como indiquei no post anterior d’A guerra da bandeira, um símbolo que apenas esteve presente na bandeira nacional em dois períodos. Foi um dos elementos da bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e é-o hoje na bandeira da República.

 Ficheiro:Flag United Kingdom Portugal Brazil Algarves.svg     Ficheiro:Flag of Portugal.svg

No caso da primeira bandeira, a esfera deixou de fazer sentido com a independência do Brasil, uma vez que nesse momento a simbologia da bandeira associava a esfera a esse território.  Hoje, a esfera tem outro significado, prendendo-se com os descobrimentos marítimos portugueses nos séculos XV e XVI e a expansão portuguesa associada a este período. Mais uma vez, o significado de hoje e o de outrora não são necessariamente os mesmos.

O que pretendo dizer com tudo isto? Que tal como o significado dos símbolos nacionais evoluíu, também evoluíram as bandeiras. Uma bandeira é importante mas não sagrada. Tem que dizer algo de um povo e tem que dizer tudo para esse povo. Se o povo muda também a bandeira tem que o fazer.

Não abordei os sentidos das cores, mas tal como a simbologia que analisei, são justificáveis como se queira. Uma bandeira imposta em 1910 teve que ter uma justificação. Que foi devidamente manobrada a justificação, manipulada, estudada, defendida. Mas foi imposta. Tudo é defensável, mesmo que seja com um argumento ridículo. Recuso-me a aceitar argumentos como os que foram apresentados em 1910. Temos 767 anos a azul e branco e 100 a vermelho e verde. Eu opto pelo que mais me orgulha, azul e branco.

No próximo post d’A guerra da bandeira vou então abordar as propostas de novas bandeiras nacionais. Encontram-se várias, algumas boas até. Outras são bandeiras desenvolvidas por pessoas que fazem role-play online, com nações e história alternativas. Não são necessariamente propostas de bandeiras, mas adequar-se-iam, pelo uso da simbologia nacional. E quem sabe, encontro e publico algumas que eu mesmo criei, brincando com a simbologia portuguesa.

Obviamente, não incluirei as que encontrei que são pró-partidárias (que incluem símbolos partidários, por exemplo), de extrema-direita (que se baseiam em simbologia nazi, por exemplo), que fazem referências a futebol, que utilizam marcas (como uma bandeira com logos) ou que simplesmente denigrem a imagem nacional (como as que por exemplo substituem as armas da bandeira por bananas). E que as há, há!

Dívidas Existenciais 18-04-2011 (Ser finlandês)